Por Andrea Wuo
Cientista social pela USP, mestre e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP
Cientista social pela USP, mestre e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP
Quando estava no colégio, minha professora da quinta série (hoje sexto ano), nos recomendou a leitura de “O médico e o monstro”. Até hoje, relembro as passagens da obra e minhas reações diante daquele mistério em que o médico e o monstro se revelaram a mesma pessoa. No dia da discussão do livro em sala de aula, a professora cita o velho ditado - “de médico e louco todo mundo tem um pouco” - como moral da história.
Lembro-me que, naquele momento, pensei algo do gênero “de louca, sei que tenho algo”, mas de médico, eu? E, além do mais, porque “médico”, uma categoria profissional, e louco, uma categoria relativa à saúde ou estado mental, deveriam refletir as condutas éticas – de bem e mal – de Dr. Jekyll e Mr. Hide em todos nós? A partir da moral da história, conclui-se que: “O médico é o nosso lado bom e o louco, nosso lado ruim” e assim, “de médico e louco...”.
Todos temos nossos lados positivos e negativos, os opostos, as contradições, o yin e yang, o sol e a lua, os limites e as potencialidades (par este tão aclamado nos discursos acerca da inclusão). E é na totalidade do complexo diálogo entre esses pares e suas inimagináveis combinações que vamos nos desenvolvendo no mundo e com o mundo. Porque também dele não nos separamos, apesar da insistência histórica em acreditar que podemos nos isolar do mundo como se o corpo fosse nossa cápsula protetora. O eu e o mundo são também pares em constante diálogo e mútua construção.
O experimento de Dr. Jekyll levou à dissociação de sua personalidade em dois personagens: um “puramente” bom e outro essencialmente “mal” (Mr. Hide). Nós, sem o efeito de experimentos, somos a inteireza de toda essa mistura entre o bom e o mal, o belo e o feio, o racional e o irracional, o inteligente e o demente, o eu e o mundo...não há pureza nessa história, a não ser que sua natureza seja essencialmente híbrida!
Mas, às vezes, categorias se misturam e encontramos substantivos sendo qualificados dentro desse quadro de oposições entre valores, como o médico e o louco. Diga-se: o médico é racional, sensato e bondoso; o louco é irracional, incontrolável, mal. Essa é uma oposição histórica e perigosa quando se fala de inclusão. Sobretudo quando se esquece que a dissociação entre Dr. Jekyll e Mr. Hide era pura ficção.
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